No Conversa
Bem Viver desta quinta-feira, as pesquisadoras comentam sobre os novos
achados documentais e o que eles revelam sobre a história de vida de dois
grandes personagens da luta contra a escravidão no Brasil.
Os
documentos encontrados pelas pesquisadoras são o registro de batismo do
abolicionista e as escrituras de alguns imóveis na rua do Bengla, de
propriedade de Antônio Agostinho Carlos Pinto da Gama, todos herdados de uma
tia, Maria Rosa de Jesus, e vendidos entre 1837 e 1840.
No
artigo, as pesquisadoras relatam que além dos imóveis na rua do Bengla, Maria
Rosa tinha duas “cativas nagôs”. Em seu testamento, Maria Rosa faz menção
especial a uma, chamada Luiza, cujo filho, “de nome Luiz Gonzaga Pinto da Gama
[…] é livre de toda a escravidão como se assim nascesse”. Para as
pesquisadoras, não cabe a menor dúvida. O menino era o próprio Luiz Gama, filho
de Antônio Agostinho Carlos Pinto da Gama com Luiza Mahin.
No
entanto, nos novos documentos não foram encontrados nenhum indício da atuação
de Luiza Mahin como liderança ativa da Revolta dos Malês e da Sabinada. “Temos
documentos que comprovam que Luiza Mahin foi de fato mãe de Luiz Gama, mas não
há nada que indique que ela tenha lutado nessas revoltas”, explica Wlamyra
Albuquerque.
Boa
parte da história de vida de Luiz Gama que
conhecemos foi narrada por ele mesmo em cartas autobiográficas. Os estudos
sobre sua vida, em geral, partem das informações registradas na famosa carta
escrita para Lúcio de Mendonça, outro abolicionista, em 25 de julho de
1880.
O
próprio Luiz Gama foi responsável por impulsionar uma narrativa sobre si digna
dos grandes heróis nacionais. Segundo Wlamyra, Gama era ciente do alcance que a
sua narrativa teria para a luta contra a escravidão. “Tanto ele quanto o Lúcio
sabiam que contar essa história era uma forma de, naquele momento, dar fôlego
ao movimento abolicionista na década de 1900”, explica a pesquisadora.
Do
mesmo modo, ao citar sua mãe na carta, a história de Luiza Mahin ganha novos
contornos épicos no imaginário brasileiro, sobretudo nos movimentos sociais e
feministas, que ao longo do tempo vão lhe atribuindo um enredo que às vezes se
sobrepõe à própria história de Luiz Gama. Em 2019, Luiza Mahin entrou no Livro
de Heróis da Pátria. Contudo, salvo as enigmáticas informações fornecidas pelo
próprio filho, as evidências sobre a vida de Mahin são muito vagas.
De
acordo com o artigo, o que Luiz Gama disse na carta a Lúcio de Mendonça foi
apenas que a sua mãe foi presa “suspeita de envolver-se em planos de
insurreições de escravos, que não tiveram efeito”. Na disseminação dessa
lembrança do filho, Luiza tem sido transformada em participante ativa, ao passo
que a ambígua referência a “insurreições escravas” é interpretada como a
Revolta dos Malês, em 1835.
As
autoras citam ainda que a ideia de Luiza Mahin como a face feminina da revolta
só começa a surgir um século depois, com o romance escrito por Pedro Calmon
sobre a rebelião, em que ela aparece como protagonista.
Ao
cruzar as informações contidas na carta redigida por Gama a Lúcio de Mendonça e
os novos documentos encontrados no acervo do Arquivo Público da Bahia, as
pesquisadoras questionam e problematizam se Luiza Mahin realmente participou de
forma ativa dos levantes. Para elas, não há indícios suficientes para tal
afirmação.
“Não
duvidamos que Luiza tenha sido presa em algum momento, sob a acusação de
conspirar contra o regime escravista, como foram tantos outros africanos na
década de 1830, marcada por instabilidade política. Mas na ampla discussão
sobre seu suposto papel em 1835, falta um detalhe fundamental do relato do
filho: a insurreição pretendida que resultou na prisão da mãe não tivera
efeito. Gama descreveria assim uma das maiores rebeliões escravas da Bahia?
Acreditamos que não”, conta Lisa Castilho.
Para
elas, o mais provável é que a prisão de Luiza tenha acontecido no período logo
depois do levante, quando a polícia estava em estado de alerta permanente,
fiscalizando os movimentos de africanos e prendendo-os sob qualquer pretexto.
“A
Luiza Mahin foi um personagem importantíssima, mas isso não quer dizer que ela
tenha pegado em armas e liderado um grupo contra o Exército brasileiro na Bahia
no começo do século 19”, afirma Wlamyra.
Lisa
Castilho e Wlamyra Albuquerque chamam a atenção para o desejo das pessoas de
encontrar essa referência feminina, principalmente negra, como protagonista da
história brasileira, mas destacam a importância que os documentos históricos
possuem para a humanização desses grandes personagens.
“Acho
que isso tem a ver com um vazio que se construiu na historiografia brasileira
sobre o protagonismo feminino, especialmente sobre o protagonismo feminino
negro. Mas sendo historiadoras, estamos contentes também por colaborar em humanizar
essa personagem, essa Luiza Mahin, que não precisa ter lutado na Revolta dos
Malês contra os soldados para ser reconhecida como uma grande personagem”,
comenta Wlamyra.
“É
importante valorizarmos o protagonismo das mulheres nos acontecimentos históricos,
sobretudo a atividade contra a repressão, a resistência na Bahia, mas temos
também que ser cautelosos e não colocar fatos onde não há informações”,
complementa Lisa Castilho.
Este
estudo inédito joga luz a muitos aspectos que antes estavam obscuros sobre a
vida de Luiz Gama. Ao mesmo tempo, abre margens para novas investigações
historiográficas, principalmente sobre a vida de Luiza Mahin, que segue sendo
uma grande referência de luta para o movimento negro.
Disponível em: https://www.geledes.org.br/artigo-inedito-confirma-luiza-mahin-como-mae-de-luiz-gama/.
Acesso em 02/08/2025.
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