Assinam os artigos cientistas e profissionais de organizações de defesa dos animais. Essa união de instituições pela causa dos jumentos, com ONGs nacionais e internacionais em conjunto com pesquisadores de universidades federais do Sudeste e Nordeste, é vista por Chiara Oliveira, professora da EMVZ e uma das coautoras dos artigos, como “um acontecimento único”. “O volume 58 da BJVRAS foi um marco nas publicações sobre jumentos no Brasil. Nunca tantos artigos foram publicados juntos sobre esse tema. Ainda alerta sobre a condição de risco de extinção, bem-estar e riscos sanitários que a cadeia de produção de pele de jumentos representa no país”, disse Chiara, que assina cinco artigos na publicação junto com outros colegas.
Segundo dados da agência da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, no Brasil, a
população total de jumentos ultrapassava 800 mil em 2018. Somente a região
Nordeste abrigaria 86,7% desses animais, de acordo com dados de 2017 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As mudanças nas
práticas agrícolas, com mecanização e troca do transporte de animais pelo uso
de motocicletas, e o assédio à carne e à pele desses animais geraram
consequências desastrosas aos jumentos, como abandono, condições precárias de
vida e abate desenfreado.
A
comercialização legal e ilegal da pele de jumentos no mercado externo é a
principal ameaça aos animais. Recentemente, a exportação de peles de jumento
para a China agravou a matança de jumentos no Nordeste. Somente em abril de
2021, na Bahia, 5.396 jumentos foram abatidos, segundo dados do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Essa demanda
crescente pela pele de jumentos no mercado internacional e a ausência de
políticas públicas de proteção e bem-estar potencializaram o risco à existência
da espécie. A professora Chiara, que também é zootecnista e membro da Comissão
de Bem-Estar Animal do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da
Bahia (CRMV-BA), afirma que o risco de extinção é real. Um cálculo anterior,
feito em 2018, considerou que o ritmo de abate até então vigente resultaria na
produção de 200 mil peles de jumento por ano – ritmo esse que, se mantido,
poderia levar à extinção dos jumentos já em 2022. Com a “desaceleração do abate
e o período de suspensão, entre dezembro de 2018 e setembro de 2019, e a
redução no número de frigoríficos, acredito que temos ainda uns cinco anos até
a redução drástica da espécie (risco de extinção)”, lamenta Chiara, que
coordena o projeto Rota do Jumento.
Para a
advogada e ativista Gislane Junqueira Brandão, para salvar os animais, é
preciso livrar os jumentos do risco de extinção e colocá-los em “santuários”.
“A prática do abate é criminosa, cruel e vergonhosa e, se ainda não é do
conhecimento da população, com certeza é do conhecimento das autoridades, que
se mantêm omissas” afirmou Gislane em live com os autores da publicação da USP.
A
professora Chiara concorda. “A curto prazo, temos que proibir o abate. A médio
e longo prazo, desenvolver políticas públicas de educação ambiental, para
terminar com o abandono; [adotar] cuidados sanitários, para reduzir e eliminar
a disseminação de doenças, e o mais importante: estimular os produtores rurais
familiares a manter seus animais nas propriedades, mostrar a eles o valor
econômico e a responsabilidade deles como tutores dos jumentos. Temos que
reinserir o jumento nas propriedades rurais do século 21”.
Do resgate à melhoria das
condições de vida: estudos sobre jumentos abandonados em Canudos
Na nota
preliminar “A realidade da exploração de jumentos para exportação de pele no
Brasil: surtos de doenças e bem-estar animal comprometidos em asininos
resgatados”, os pesquisadores descrevem ações de resgate e medidas sanitárias e
de saúde voltadas ao bem-estar dos animais.
O artigo
denuncia as precárias condições vividas por jumentos que foram abandonados em
uma propriedade rural em Canudos, no sertão baiano, durante a suspensão
temporária de abate, entre 2018 e 2019. A população local informou sobre os
maus-tratos ao Ministério Público Estadual e, após o fechamento da fazenda, a
ONG Fórum Nacional de Proteção e Defesa dos Animais (FNPDA) assumiu a guarda
temporária dos animais. Em seguida, uma força tarefa formada por pesquisadores
da UFBA, USP, Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal Rural do
Semi-Árido e organizações de proteção animal realizaram ações para
sobrevivência e melhoria da saúde daqueles animais.
A saga
heróica, que resultou na transferência dos jumentos e na melhoria das condições
de saúde dos animais, enfrentou uma série de desafios relacionados a espaço,
condições sanitária e de saúde, que comprometiam inclusive a saúde dos
profissionais envolvidos. Entre os desafios, foi constatada em alguns animais a
existência de mormo, uma grave zoonose que pode ser transmitida a outros
animais e ao ser humano, e que, em 95% dos casos, é fatal. Os sintomas são
febre, dores musculares, dor no peito, rigidez muscular, enxaqueca,
sensibilidade à luz e diarreia.
Fonte: http://www.edgardigital.ufba.br/?p=21182. Acesso em13/08/2021.
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