Na
realidade, em nossa história, a escravidão apenas mudou do chicote para a
caneta e, desta, para a exclusão social. Tanto a Abolição quanto a Proclamação
da República em nada mudaram o domínio do latifúndio e a extrema concentração
de renda do capitalismo brasileiro. Sem reforma agrária, sem emprego, sem
moradia e sem acesso à educação, as elites dominantes impuseram a exclusão
social às populações negras.
Desse
modo, não se trata apenas do preconceito racial de alguns indivíduos, mas de
racismo estrutural, que nasce da ordem econômica e social do país e se espalha
pelas instituições, pelas famílias e pela sociedade em geral.
Mais do que dizer que existe racismo no
Brasil, precisamos afirmar que o nosso país foi formado a partir do racismo,
pois da Colônia à República fomos construídos econômica e culturalmente pelo
trabalho de negros. Não é preciso ter conhecimento histórico profundo para se
reconhecer isso.
Sem querer
admitir a discriminação racial, as elites brancas falsificam o conceito de
meritocracia para tentar encobrir seus privilégios. Mas meritocracia só é
possível quando há igualdade de oportunidades para todos e num regime de
exclusão social isso não é possível.
O preço
para o Brasil ser “branco” é a manutenção da brutal exclusão social e violência
institucional contra a maioria negra da população. É preciso realimentar sempre
essa desumanidade social para tornar o negro invisibilizado nas favelas e
periferias da ordem burguesa. Somente nessas condições de profunda injustiça
social e opressão racial é que as elites constroem para si mesmas a imagem de
um país “branco”. Branco nos melhores empregos, nos altos escalões do serviço
público, nas melhores escolas, nas universidades, nos aeroportos, nos shoppings.
Branco na publicidade, na televisão etc. Com raras exceções, o negro só se
torna visível quando sofre violência.
Mas o
Brasil tem essa fisionomia racial e força cultural porque, desde os primeiros
anos de escravidão, sempre houve resistência e luta pela liberdade. Expressão
dessa resistência histórica, o movimento negro tem obtido vitórias importantes,
como a de incluir na Constituição o racismo como crime inafiançável.
Agora,
somos vítimas de enorme retrocesso, mas conquistamos políticas públicas de
promoção da igualdade racial e de gênero, pois a discriminação da mulher negra,
tanto por racismo quanto por machismo, é a face mais revoltante da exclusão
social.
Em 18 de
novembro de 2015, em Brasília, mais de cinquenta mil mulheres negras de todo o
país mostraram força e mobilização com a realização da Marcha das Mulheres
Negras — Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver.
Recentemente,
o Tribunal Superior Eleitoral aprovou a proporcionalidade dos fundos eleitorais
e do tempo de rádio e televisão para as candidaturas negras, fruto de consulta
feita em nome do movimento negro. Isso é um exemplo, entre outros, da conquista
de espaços de poder e de representação política por parte do povo negro.
É uma luta
incessante, em múltiplas frentes, pela valorização da nossa história, cultura e
autoestima. Querem nos fazer um povo sem história para melhor nos oprimir, mas
os talentos negros brotam na literatura, nas ciências e na apropriação de nossa
trajetória, de nossos heróis e do nosso protagonismo.
Finalmente,
é importante dizer que a luta por uma sociedade e um governo antirracistas não
diz respeito exclusivamente ao povo negro, mas interessa cada vez mais à
sociedade como um todo. E não somente no Brasil, mas no mundo todo com o
movimento “Vidas Negras Importam”, que surgiu dos protestos contra a morte de
George Floyd (estadunidense estrangulado em Minneapolis, no dia 25 de maio de
2020, por um policial que ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem
policial).
Há nesse
anseio multirracial contra a violência — a que os segmentos negros são
submetidos — o desejo de uma sociedade de paz, inclusiva, de direitos e com
respeito às diferenças.
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