Um
estudo inédito sobre o tema mostra que metade dos filhos de pais situados entre
os 20% mais pobres do Brasil permanece nesse mesmo grupo de renda quando
adultos, enquanto metade dos filhos dos 20% mais ricos se mantém no topo.
Mesmo
entre os que conseguem escapar da pobreza, a melhora de vida pode ser apenas
parcial. Só 2,5% dos filhos cujos pais estão no estrato mais vulnerável
conseguem atingir o topo da estrutura social e de renda em uma única geração. O
percentual é bem menor do que em países desenvolvidos, onde há maior mobilidade.
Ser
mulher, preto ou pardo também diminui as chances de ascensão, assim como viver
nas regiões Norte e Nordeste, segundo os resultados encontrados pelos
pesquisadores.
“Uma
parte do Brasil sustenta o discurso de que se você se esforçar na vida, você se
dá bem. O estudo coloca uma interrogação nisso”, diz o economista Breno
Sampaio, um dos autores. “Somos uma sociedade bastante desigual em termos de
oportunidade. O esforço não significa sucesso.”
A
pesquisa foi desenvolvida por Diogo Britto, Alexandre Fonseca, Paolo Pinotti,
Breno Sampaio e Lucas Warwar por meio do Gappe (Grupo de Avaliação de Políticas
Públicas e Econômicas) da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), em
parceria com a unidade de análise econômica do crime da Universidade de
Bocconi, na Itália.
O estudo usou dados de
diversas fontes, como Censo Demográfico, Rais
(Relação Anual de Informações Sociais), Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios) e o Cadastro Único de programas sociais.
Pela
primeira vez no Brasil, os pesquisadores também tiveram acesso a registros
administrativos da Receita Federal sobre a renda da população. As informações
foram usadas sob supervisão do Fisco, para assegurar a manutenção do sigilo
fiscal.
A
inovação garantiu uma amostra de dados ampla e robusta: 1,3 milhão de pessoas
nascidas entre 1988 e 1990, bem como seus respectivos pais —as conexões foram
estabelecidas graças ao cruzamento das bases de dados. A partir daí, os técnicos
observaram os rendimentos de cada um deles para analisar a mobilidade entre uma
geração e outra.
Por
essa metodologia, o estudo representa uma fotografia das condições sociais e de
renda desses filhos quando eles atingem idades entre 25 e 31 anos. Não se trata
de uma projeção para as crianças de hoje, embora dê pistas dos problemas a
serem endereçados por meio de políticas públicas. O acompanhamento da evolução
dos indicadores está nos planos para novos estudos.
O
levantamento analisa dois conceitos de mobilidade social, a relativa e a
absoluta. A mobilidade relativa compara a situação de crianças que nasceram em
pontos diferentes da distribuição de renda e serve para medir o chamado efeito
permanência —isto é, se o rico permanece rico enquanto o pobre continua pobre.
Um
dos resultados mostra que, se a distribuição de renda no Brasil fosse medida em
uma escada com 100 degraus, uma família que começasse na posição 25 demoraria
sete gerações para chegar ao mesmo patamar de uma família que se encontrava no
degrau 75.
O
estudo também traz as probabilidades de se manter rico ou pobre, ou mudar sua
posição social. Os filhos de pais que estão entre os 20% mais pobres têm 46,1%
de chance de permanecer nesse grupo, mas só 2,5% de subir ao topo. Os dados são
ainda piores quando distinguidos por raça: crianças pretas ou pardas têm 52,8%
de permanecer na pobreza, percentual que cai a 33,7% para brancas.
Já
os filhos de pais que estão entre os 20% mais ricos têm 48,5% de chance de
permanecer no topo e só 4% de cair para a base da pirâmide. Ser branco amplia a
probabilidade de manter a riqueza para 54,1%, enquanto ser preto ou pardo
aumenta a chance de migrar para a pobreza para 5,7%.
Os
achados indicam que o patamar de renda dos filhos guarda uma relação de
dependência elevada com o nível de renda dos pais. Em uma sociedade menos
desigual e com mais mobilidade, essa conexão seria menor, enquanto o esforço, o
mérito e a qualificação do indivíduo teriam mais peso na equação.
“Existe
uma loteria no nascimento. As crianças que tiveram a sorte de nascer em
famílias com pais mais ricos estão, em média, se dando muito melhor do que
aquelas que nasceram com pais mais pobres. Isso é um mau sinal para se pensar
em meritocracia”, diz o pesquisador Diogo Britto.
Os
resultados também permitem fazer uma comparação internacional. Enquanto no
Brasil a chance de subir da base para o topo é de 2,5%, esse percentual é bem
maior nos Estados Unidos (7,5%), na Itália (11,2%) e na Suécia (15,7%).
“O
espaço para a meritocracia no Brasil é substancialmente menor do que na Europa
ou nos Estados Unidos. Tem vários outros fatores que levam a criança a ter
sucesso no futuro”, afirma o pesquisador Alexandre Fonseca. Ainda não há
comparação com outros emergentes, porque o estudo brasileiro é o primeiro do
tipo para um país em desenvolvimento.
Os
pesquisadores também medem a mobilidade absoluta, que analisa pais em uma mesma
posição de renda e busca identificar até que ponto podem chegar seus filhos na
distribuição. Esse recorte é útil para comparar pessoas de diferentes raças,
gênero ou regiões.
Na
escada de 100 degraus de renda, se os pais estão na posição 25, os filhos
homens podem chegar ao nível 46, enquanto as mulheres alcançam o patamar 29. A
diferença de gênero é maior quanto menor for a renda dos pais. Considerando o
mesmo ponto de partida, crianças brancas podem atingir o degrau 41, enquanto as
pretas ou pardas, o 32.
Há
outras consequências. Filhas mulheres de famílias pobres têm até 13% de chance
de ter uma gravidez na adolescência, mas só 7,2% de probabilidade de terminar a
faculdade. Ocupações que garantem uma renda mais elevada, como médica ou
advogada, são realidade para só 0,02% das meninas vindas de lares vulneráveis.
A
evolução nas diferentes regiões também é diversa. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste,
os filhos costumam subir degraus em relação aos pais, enquanto no Nordeste e no
Norte pode ocorrer piora da posição na distribuição de renda.
O
detalhamento dos dados permitiu aos pesquisadores identificar essa escala em
níveis geográficos bastante específicos, como municípios ou até distritos
dentro das cidades, o que pode auxiliar na elaboração de políticas focalizadas.
Eles
também puderam medir o efeito da migração, quando uma família muda de cidade ou
até mesmo de região quando os filhos ainda são pequenos. “Crianças que se mudam
para lugares melhores realmente se dão bem, e nosso resultado funciona dos dois
lados. Quando, por algum motivo, as crianças se mudam de um lugar melhor para
um lugar pior, elas também têm um desempenho pior”, explica o pesquisador Lucas
Warwar.
O
estudo ainda não é suficiente para estabelecer, com rigor metodológico, as
causas da baixa mobilidade social no Brasil, mas os resultados iniciais
fornecem algumas pistas.
O
papel da educação, segundo os pesquisadores, parece ser central na determinação
da renda futura das crianças, e a qualidade do ensino tende a explicar as
diferenças regionais. Um dos indícios é a constatação de que quanto mais novos
são os filhos no momento da migração, maior é o impacto da mudança sobre sua
renda futura.
Os
pesquisadores acreditam que isso tem relação com a qualidade da educação básica
em cada local. Considerando um casal com filhos de 11 e 17 anos, por exemplo, o
mais novo vai frequentar a escola na nova cidade, enquanto o mais velho já terá
provavelmente concluído o ensino médio.
A
leitura do resultado pode ser feita de duas maneiras: migrações podem ajudar a
transformar a renda das crianças, e as regiões mais carentes deveriam receber
mais atenção nos investimentos em educação.
Outros
dados sobre desigualdade no Brasil já sugeriam uma sociedade com baixa
mobilidade social, mas os autores do estudo acreditam que quantificar as
diferenças pode ajudar a traçar um diagnóstico mais preciso dos problemas e
definir políticas para enfrentá-los.
“Se
a pessoa nasce na favela e sabe que vai ser pobre ou miserável a vida toda, ela
pode escolher outros caminhos. As pessoas podem ir para a criminalidade. Tem
pessoas com alto potencial que estão sendo desperdiçadas”, afirma Fonseca.
Fonte:
https://www.geledes.org.br/filhos-de-familias-pobres-tem-so-25-de-chance-de-chegar-ao-topo-no-brasil/.
Acesso em 11/10/2022
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