O feminismo negro ascendeu
em sua trajetória no Brasil a partir da fundação de diversos coletivos de
mulheres negras e na atuação de intelectuais negras que
estavam tanto nos movimentos sociais como na academia. Essas intelectuais vão
refletir, sobre as particularidades das identidades femininas negras no Brasil,
e vão apontar em seus discursos à invisibilidade de mulheres negras nas pautas
de reivindicações do movimento feminista e trazer questionamento como: Porque
as mulheres negras são marginalizadas e subalternizadas? Onde estão as mulheres
negras na História brasileira contada? Por que a questão racial foi isenta do
feminismo? Porque as mulheres negras não são humanizadas? Por que no
capitalismo brasileira, o homem branco se encontra no topo e a mulher negra na
base?. Esses questionamentos feitos já demonstram as diferenças com o chamado
feminismo “clássico”, onde as reivindicações eram construídas a partir principalmente
da experiência de mulheres brancas e classe média, ou seja, de uma
minoria.
Luiza Bairros, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Edna Roland, Jurema Werneck, Nilza Iraci, Matilde Ribeiro, entre
outras são participantes fundamentais no desenvolvimento do feminismo negro no
Brasil. Essas mulheres nos anos de 1980-1990 provocaram confrontos e contribuíram
intensamente para o debate e a visualização das desigualdades sofridas pelas
mulheres negras e são a prova de que o feminismo negro não é um puxadinho do
feminismo branco, ao contrário, para mim, ele se originou no reconhecimento
crescente da necessidade da análise de gênero dentro dos projetos ativistas
negros. Não seria possível libertar as mulheres negras sem levar tanto raça quanto gênero em conta,
ou mesmo seria possível para o feminismo pensar o fim das desigualdades raciais
na sociedade sem o feminismo negro.
Se voltarmos
ao questionamento de Sojourner Truth no seu discurso “e não sou eu uma mulher?”
proferido em 1851, na Convenção dos Direitos da Mulher em Akron, Ohio, iremos
compreender que as mulheres negras sempre denunciaram o fato de constantemente
serem estereotipadas como sendo a mulher bestializada, desumanizada, promíscua
e lasciva, além de feias, dotadas de sobre-força e trabalhadoras adequadas para
serviços desumanizados, enquanto que a mulher branca sempre foi retratada com
aspectos como delicadeza, fragilidade e pureza. Para sustentar a
universalização, o discurso feminista hegemônico uniformiza experiências e apaga
a diversidade, tomando a mulher branca como paradigma da identidade feminina, o
que, evidentemente, tem um efeito colonizador.
Para o
feminismo negro as opressões sofridas pelas mulheres negras são resultantes da
intersecção de opressões de gênero, de raça e de classe que colocam a maioria
das mulheres negras à margem do poder e da representação, expostas a violência
racial e de gênero, imersas na marginalidade econômica e invisibilizadas em
diferentes contextos. A interseccionalidade é uma ferramenta teórica e
metodológica utilizada pelas feministas negras para refletir acerca da
inseparabilidade estrutural entre patriarcado, capitalismo e racismo em suas
articulações, que implicam em múltiplas situações de opressão sofridas pelas
mulheres negras.
A importância
de pensar a partir das ferramentas metodológicas que o feminismo negro nos traz
é entender que o movimento de mulheres negras não atua para separar, mas para
ampliar. Atua para mostrar que não tem como legitimar um discurso de poder
feminino quando ele ainda está pautado pela branquitude, eurocêntrica e
colonizadora.Por isso, o feminismo negro é muitíssimo potente, por trazer essa
importância de que não tem como lutar contra o machismo e alimentar o racismo,
porque seria alimentar a mesma estrutura. Deve ser papel do feminismo fazer
esses questionamentos, não podemos normalizar qualquer movimento que seja
majoritariamente branco e detentor do discurso da maioria branca, enquanto
mulheres negras continuam sendo invisibilizadas.
Há que se
dizer com todas as letras: os movimentos feministas que não fazem recorte de
raça tendem a ser racistas e classistas, por isso faz-se urgente que mulheres
pretas continuem avançando e que existam políticas práticas e teorias, que
abarque suas especificidades. O movimento de mulheres negras é ancestral e sua
resistência apesar de invisibilizadas pelo movimento feminista hegemônico já se
estabelecia antes mesmo de existir o termo feminismo. Ao nos aprofundarmos na História
será possível encontrar registros de mulheres negras que praticavam abortos
como forma de luta para não verem seus filhos nascerem escravizados. Se
olharmos com mais atenção para a história das mulheres negras no Brasil e em
outros países onde houve escravização, podemos constatar que elas já
desempenhavam um papel importante de luta e sobrevivência do povo negro.
Por isso é
muito importante citar a já clássica frase de Jurema Werneck :“Nossos passos
vêm de longe” para ressaltar nossa ancestralidade e até mesmo para falar sobre
os nossos avanços, que apesar de poucos, têm sido muitos significativos. Desde
o início dos anos 80, há um crescimento contínuo e um fortalecimento do
ativismo das mulheres negras que contribuíram de forma crucial para a ampliar
sua visibilidade no debate público, na pauta das agendas socioeconômica e
políticas. Nos últimos anos foram lançadas obras de Lélia Gonzalez, Beatriz
Nascimento e a biografia de Sueli Carneiro, também foram traduzidas para o
português autoras negras consagradas como Ângela Davis, Patrícia Hill Collins,
bell hooks, Audre Lorde, dentre outras.
.As feministas
negras trouxeram para o cenário nacional a força de sua ancestralidade e nossas
vitórias são fruto de muita luta, elas sabiam que sem luta e vigilância, nenhum
de seus direitos seriam assegurados por qualquer outro movimento social,
resistiram dentro e fora de movimentos sociais para que suas vozes fossem
ouvidas e reconhecidas e para que nós estivemos aqui se inspirando no legado de
quem venho antes e construindo um futuro para todas nós. Mesmo anos após décadas
de seu nascimento o feminismo negro continua a mostrar sua importância para o
movimento de mulheres brasileiras e para todo o feminismo.
Viva o
feminismo Negro brasileiro!
Brenda
Marques- Afronte Piauí e da coordenação nacional do Afronte!
Disponível em: https://www.geledes.org.br/a-importancia-do-feminismo-negro-para-o-movimento-feminista-brasileiro/.
Acesso em 07/03/2022
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