Dolarizado, preço do gás deve passar dos R$ 100; entenda como isso ocorre


A dolarização dos preços dos combustíveis torna o Brasil cada vez mais vulnerável às variações da cotação global do petróleo. O preço internacional do propano, matéria-prima do gás de cozinha, acumula alta de 96% em 2021, e o mercado interno brasileiro está usando isso como pretexto para forçar aumentos que devem tornar o botijão ainda mais proibitivo para as famílias mais pobres.

No último sábado (18), a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) divulgou que o preço cobrado pelo gás liquefeito de petróleo (GLP) teve alta de 1,5% em apenas uma semana. O botijão de 13 quilos chegou a R$ 98,33 em média, mas em localidades mais afastadas já se cobra R$ 130 pelo produto.

Em agosto de 2020, o preço médio calculado pela agência era R$ 69,98. Desde então, o preço subiu 31%, ou mais que o triplo da inflação geral acumulada no mesmo período, que é de 9,30%, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo a Folha de São Paulo, o mercado vê grande defasagem dos preços internos em relação aos internacionais, e demanda reajustes. Até porque a tendência é de que as cotações se mantenham altas pelos próximos meses. A escalada é puxada pela grande procura de alguns países, somada à menor oferta global.

O desequilíbrio é internacional – as cotações na Ásia e na Europa, por exemplo, mais que dobraram em um ano – mas a dolarização dos preços internos é que faz o consumidor brasileiro arcar com o prejuízo desde então.

Estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela que entre julho de 2017 e janeiro de 2021, a direção da Petrobras aumentou o preço do GLP em 130,79%. O percentual é oito vezes maior que a inflação de 15,02% medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que abrange as famílias com rendimentos de 1 a 5 salários mínimos.

A Petrobras não promove reajustes desde o início de julho, quando aplicou um aumento de 6%. Segundo dados da ANP, a companhia vem operando abaixo da paridade de importação há três semanas consecutivas, mas durante parte do ano praticou preços do gás acima da paridade.

No começo de setembro, o botijão ficou 7% mais caro para os consumidores devido a um aumento aplicado pelas distribuidoras do produto. A Associação Brasileira dos Revendedores de GLP explicou que o reajuste foi motivado pelo dissídio da categoria e pela inflação – puxada principalmente pelos preços dos combustíveis, num ciclo vicioso.

“As pessoas que dependem do Bolsa Família, ou mesmo as famílias em situação de pobreza ou pobreza extrema que não têm acesso a ele, terão que escolher entre o alimento e o gás, pois não será possível ter acesso a ambos”, lamentou o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto de lei (PL) 1.507/2021, que cria o Auxílio Social do Gás.

Botijão a R$ 40 é possível

Ao Brasil de Fato, Rogério Almeida, coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores Petroleiros de Pernambuco e Paraíba (Sindipetro PE/PB), afirmou que o gás de cozinha poderia estar chegando aos brasileiros por R$ 40. Isso não ocorre, diz, por causa da política de Preços de Paridade de Importação (PPI), da redução da capacidade das refinarias e de um “tabelamento pelo alto” para favorecer petroleiras estrangeiras.

“Desde 2016, logo após o golpe contra a presidenta Dilma, um dos primeiros atos de Michel Temer foi mudar a política de preços da Petrobras”, lembra. “Antes, levavam em conta o preço internacional do barril, mas só como parâmetro. A nossa produção era baseada nos nossos custos, em Real, considerando fatores como a inflação e o momento econômico do país. E esses preços eram reavaliados a cada três meses.”

Almeida revela que o Sindipetro e a Federação Única dos Petroleiros (FUP) consideram que as petroleiras estrangeiras foram um dos principais grupos de interesse a estimular o golpe de 2016, visando conquistar mais espaço no mercado de combustíveis brasileiro. “Desde o golpe o número de importadoras atuando no Brasil cresceu 150%”, destaca.

“A Petrobras gasta cerca de US$ 10 para extrair um barril de petróleo, mas no mercado internacional ele está cotado em US$ 72”, diz Almeida. “Se a Petrobras extrai por US$ 10, ela poderia vender para a refinaria por US$ 30 ou US$ 40. Já é uma boa margem de lucro. A refinaria, que também é da Petrobras, processava o combustível. Mas com o PPI, a Petrobras é obrigada a vender esse barril por US$ 72 para as refinarias”, completa.

As importadoras, ao trazerem combustível do exterior, pagam impostos de importação, taxa portuária, seguros etc. “A soma dessas taxas corresponde a R$ 0,25 por litro de gasolina. Mas a Petrobras, que não está importando, também está sendo obrigada a embutir esses R$ 0,25 no preço dela. É um tabelamento pelo alto”, critica o sindicalista.

Em março, o desgoverno Bolsonaro zerou as alíquotas do PIS e Cofins sobre óleo diesel e GLP, mas a desoneração fiscal não foi suficiente para conter a disparada do preço. Ele então passou a culpar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte (ICMS) cobrado pelos governos estaduais.

“Esse percentual do ICMS é o mesmo há mais de 10 anos”, aponta almeida. “Isso é uma falácia. O que aumenta é o valor inicial da venda do barril para a refinaria. Quando mexe nesse valor, por tabela aumenta o preço dos impostos, que são percentuais.”

No começo desta semana, nota assinada por 20 governadores esclarece que nos últimos 12 meses o preço da gasolina registrou aumento superior a 40%, embora nenhum estado tenha realizado aumento no ICMS sobre combustíveis no período.

Fonte: https://pt.org.br/dolarizado-preco-do-gas-deve-passar-dos-r-100-entenda-como-isso-ocorre/. Acesso em 25/09/2021.

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