O POETA E A FONTE: UM MONÓLOGO – TALVEZ!





Texto do professor Moacir Aragão, acerca da Fonte das Cabeças, localizada na cidade de Governador Mangabeira – Bahia.

     A natureza pode ser inexplicável, de repente não sei ao certo, se ela surgiu ou se alguém disse tê-la descoberto, o fato é que dentro de um Universo Natural encontra-se uma paragem que no seu cerne jorra um líquido da cor de sal e que serve para temporariamente acabar com a sensação causada pela necessidade de expurgação da secura na garganta. 
            Abençoado Distrito cognominado – Cabeças – que recebe da mãe natureza esta jóia rara; para alguns não é tão preciosa e para outros é a essência da própria vida. Batizaram-na de Fonte das Cabeças. Certamente os historiadores dirão que fora uma homenagem ao próprio Distrito, ou que foi o contrário, ou ainda, que há uma história de viajantes que perderam suas cabeças nas proximidades desta área, e desde então, assim ficara conhecida.
            Lembro-me quando criança, por volta da década de 60, que minha mãe lavava  nossas roupas, ganhava um dinheirinho executando o mesmo trabalho para terceiros e esta prática não era exclusividade dela, ela se estendia a muitos dos moradores desta  região, além dos visitantes vindos dos mais longínquos municípios, e como eram deliciosas suas águas tanto na hora do banho, quanto para aliviar nossas sedes.
            Contudo, quanta ironia! Uma geração que tanto se valeu daquele patrimônio e que hoje pode fazê-lo tornar-se mais rico, em função dos seus poderes, dos seus diversos outros compromissos, faz exatamente o contrário, fecha os olhos, finge não vê-la, prioriza tudo ao redor da sua vida, exceto a essência da própria vida.  
            E eu? O que tenho feito? Do alto do meu recanto, do nascer ao por do sol, nos raros momentos em que disponho de ocasião, apenas observo, critico aqueles que deveriam ao menos limpá-la, como se limpa um corpo humano, mas é claro, com atitudes e características apropriadas ao bem da própria fonte que ofuscar-se a cada segundo que passa. 
            Por falar em corpo humano, quando raramente faço uma visita àquela fonte, aproveito para compará-la a uma pessoa que está hospitalizada e respirando por aparelho. É exatamente o que sinto. Ainda bem que o homem não desligou o aparelho que a mantém respirando o ar da vida, que a tantas vidas fez respirar.
            Consigo também nestes raros momentos, apreciar estudantes que, motivados pelos seus catedráticos, saem de suas salas de aula e fazem aquela mina acreditar que ainda existe e que até pode um dia, quem sabe, voltar a viver. Voltar a viver para a natureza, não é viver para si, é fazer-se vida para outros.
            Sinto também alegria nela, quando jovens se reúnem entre meu recanto e suas terras, para disputar uma brincadeira conhecida no mundo todo como futebol. Nós sentimos nas gotas que ainda jorram por sua face esfacelada, um leque de felicidade, quando a bola cai o mais próximo daquela cacimba. Tenho a impressão, de ver no seu triste olhar, um olhar de despedida, não sei se dela para a criança ou se da criança para ela.
            Dispo de tudo e desço para visitá-la, é pouco distante, o acesso não é dos melhores, principalmente pelo lado em que estou indo que passa pela quadra de terra, mais conhecida como “Areal”. Acabo de resvalar em um buraco, quase torço meu tornozelo esquerdo, a sandália, que era da cor daquela famosa pantera do desenho animado e de uma das personagens de um dos BBB, muda de cor, mas ao menos posso lavá-la em suas águas, se ela permitir.
            - Bom dia Senhora Fonte! Não estou aqui para falar da sua estrutura corporal, para não causar nenhum tipo de emoção no meu leitor, mas quanto a mim, apareceu uma vontade muito forte de expelir urina, mas não farei em respeito à Senhora, mesmo que tenha que antecipar a minha volta para casa.    
            Mas até agora, a Senhora nada me disse, nem ao menos: um “seja bem-vindo!” apenas escuta, ou será que eu é que não consigo te ouvir? Pode ser também que você já tenha perdido sua voz. Sinceramente, prefiro acreditar na minha “necessidade especial” de saber ouvi-la.
            - Está ouvindo dona Fonte!? Um pássaro que desconheço tanto o canto quanto o nome canta seguidamente nos teus ares. Será que é ele que ainda te mantém viva? Acredito mais que a presença dele aqui seja para alimentar a sua própria vida. 
            Neste momento tento enxergá-lo, procurei entre aquelas raras e pequenas árvores e vi, à distância, apenas o vôo e o fim do canto. Sua cor era meio parecida com a de folhas queimadas pelo sol e que não dispunha de suas irmãs ou primas, senhora Fonte, para receber novamente a cor da felicidade.    A minha vontade, permita o termo, de urinar, está se ampliando, mas não despejarei aqui, mesmo que tenha de antecipar a minha volta. 
            Por curiosidade, são nove horas e dez minutos, o sol brilha e ouço músicas a uma boa distância, como se alguém aumentasse o volume e declinasse, parece que passa no alto de uma estrada  levado por algo ou por alguém, mas neste exato instante escuto também outros cantos de pássaros, diferente daquele primeiro e como ele, subitamente também pararam de cantar. Neste momento, eu ando, contemplo o barulho das suas águas, como se quisessem me dizer algo e eu com minha “necessidade especial”, não consigo entender uma palavra sequer. 
            Apenas penso no número de árvores que já circundaram-na  e que hoje foram substituídas por moradias, inclusive a minha. 
            Sem prever, do mais alto de minha possibilidade de alcance, vejo nuvens como se estivessem exalando um clarão com reflexos vistos nas mais calmas e tranquilas nuanças do mar.
            Neste instante, volto a te observar e noto uma escada com alguns degraus, quase não a enxergo em função de matos que por ela sobe. Não sei se pelo meu desleixe, afinal poderia estar cuidando de você, com tantos pneus, águas da chuva ou da sua própria concessão, não exista uma proliferação de algum mosquito que prefiro não denominar, suplico às autoridades extraterrenas e à própria mãe natureza que te aplique um antídoto, para não ser contaminada por mais esta indisposição.
            No meio do silêncio quase que total, em função de raros cantos e pingos de gotas d água, lembrei-me daquela criança, que esteve aqui em algum momento, para buscar sua bola e que precisou retornar para continuar o seu jogo. Você já deve ter percebido Senhora Fonte, que essas palavras vêem como uma espécie de ignição da minha partida. Sei o quanto é ruim a solidão, ou melhor, imagino o que seja! Pois solidão como a sua, só a Senhora pode dizer o que é pena que eu não consigo entendê-la, mas preciso ir. Não tome esta minha ida como um Adeus e sim como um até logo! 
            Até logo, para de alguma maneira, corroborar a alguns munícipes que a senhora ainda existe e pede Socorro! Não quero acreditar que o que penso seja verdade, em relação à concepção de cada um deles, mas temo que após a leitura desta revelação, alguns até chorem, se manifestem e depois de alguns dias subitamente esqueçam da sua existência.
            Tenho medo também, que outros leiam e se aproveitem de ti, para de quatro em quatro anos fazerem o que fazem com a Educação, buscam termos que comovem, apresentam projetos que surgem como o caminho para a solução dos enigmas da sociedade e assim que assumem seus tronos, apresentam outros... chamados por eles de “prioridade”.
            Contudo, sinceramente, acredito na renúncia. Poucos que lerem essa lembrança, ao me avistarem provavelmente, me criticarão, alguns apoiarão, haverá até aqueles que por algum motivo calar-se-ão e outros que vão insistir em conversar comigo sobre o meu trabalho, apresentando diversas sugestões para divulgação do mesmo.   
            Contudo, o que eu gostaria de verdade, era ter o dom de ouvi-la, para dizer entre aspas, todo o seu desejo, sem alterar uma só letra. Infelizmente não tenho essa competência. Graças a Deus! Pois se tivesse, diriam que eu estava enlouquecendo, mandariam um psiquiatra para me acompanhar e em seguida me enviariam para um hospício, se é que já não discutirão sobre essa possibilidade. 
            Mas, e daí! Se fizerem o que estou pensando, pode ter certeza Senhora Fonte, que mesmo impossibilitado de visitá-la, estarei falando para outras pessoas sobre sua história de vida. Talvez por lá eu possa fazer um pouco do muito que a Senhora fez por mim e por muitos que ti conheceram. Aliás, esta é uma prática da nossa realidade, aqueles que não podem fazer, estão sempre criticando aqueles que têm a condição de “resolver” nossas dificuldades e quando ganham  esta condição, logo agem igual ou pior que seus precursores. 
            Bem! O fato é que, enquanto estou livre e com condição de me expressar, falarei que a Senhora ainda vive, mesmo sabendo que poucos daqueles que me ouvirem, darão a menor atenção. 
            Neste instante começo a refletir, o que devo escrever para que essas palavras selecionadas que nos faz raciocinar sobre esta realidade, não se tornem enfadonhas! Acredito que o melhor que faço é lhe pedir perdão, por não ter o dom de escrever sobre a Senhora, de uma maneira que realmente ocorresse uma tempestade de discussões e que não apenas ficasse na altercação, mas longe da Senhora, estou tendo dificuldades.
            Sinceramente! Prefiro retornar aos seus ares e conversar pessoalmente com a Senhora. Estou  descendo, espero trazer alguma novidade para as poucas pessoas que padecerão, não em função das palavras que grafo, mas do seu contexto de vida que busco revelar.   
            Olá Senhora Fonte! Não sei se a Senhora percebe que entramos num mês de muita chuva. A noite passada mesmo foi considerável e para eu chegar até aqui, não foi fácil, talvez isso explique, um dos motivos por que não recebes visitas. O acesso está simplesmente transtornado.
            Dona Fonte, minha vinda aqui agora é para lhe informar que pretendo encerrar este trabalho e divulgar de alguma forma, ainda não sei como nem onde... Este meu momento aqui é também, uma busca de inspiração, perceba que neste exato instante o sol começa a brilhar e reze para que ele com seu brilho me guie, pois escrever por escrever é como repetir o ato de muitos que falam, falam,... E falam.   
            Se assim o fizer, estaria apenas buscando termos para proporcionar momentos de prazer na leitura e que depois serviriam apenas de elogios, talvez e confesso não ser esta a minha intenção. Contudo, duvido que se alguém me estender a mão, para prestar alguma homenagem, eu não me derreta de emoção!  Porém, quero que saiba da convicção dos meus sentimentos, eles serão simétricos àqueles que a Senhora sente todos os dias. 
            Quanto silêncio! Ele aqui é tão intenso que qualquer veículo que passe a uma considerável distância, nos incomoda e uma mãe, ao gritar por seu filho também te traz o eco que mais parece ocultar-se em tua “alma”.
            Mas sinceramente, como uma conversa de despedida para a divulgação desta obra, te peço que não se frutes caso nada aconteça em relação ao que denuncio; principalmente por que não sou muito direto, poucos entenderão e muitos fingirão não entender. 
            Acredito que posso terminar assim, ou melhor, começar, informando a cada um de vocês, que não se sinta responsável pelo estado crítico que a Senhora Fonte se encontra, e que é muito mais responsabilidade minha, cuidar dela, que tão bem a “conheço”, que de cada um de vocês!  É por isso que peço um milagre das autoridades extraterrenas, não por não acreditar na vontade do meu irmão, mas por entender que eles são semelhantes a mim. Fique com o Altíssimo! E que Ele fique conosco!

Moacir da Silva Aragão – Licenciado em Letras Vernáculas pela UEFS, com Especialização em Metodologia do Ensino e da Aprendizagem da Língua Portuguesa e Matemática pela Faculdade Batista Brasileira. Mestrando em Educação pela Padma. Atualmente exerce  suas atividades de docente no Colégio Estadual Professor Edgard Santos (CEPES) - Governador Mangabeira. Lecionou, também no antigo CECOM, no Colégio Estadual José Bonifácio, orientou projetos como: “Recital de Poesia”, “Feira de Ciências”, Tempo de Arte Literária. Natural da cidade de Governador Mangabeira, também é autor do diálogo: O Poeta e a Fonte das Cabeças”. Antes de exercer as atividades de professor, trabalhou como vigilante, ajudante de pedreiro e atendente de mercearia.


Fotos: Arquivo do professor Borges.

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