“Esse RG para mim, é especial, porque os anteriores foram com turbante, esse meu ultimo RG é um troféu que está em minhas mãos. Eu estou segurando esse troféu, mas eu não estou segurando o meu troféu, eu estou segurando um troféu dos meus irmãos, do povo preto”, diz a estilista Rogéria Ferreira, que foi proibida de tirar foto com turbante na cabeça para a carteira de identidade. O caso da estilista gerou uma ação movida pela Defensoria Pública que obteve ganho de causa, liberando o uso de turbante, óculos e outros adereços para as fotos. A decisão jucidial ocorreu em meados deste março, após cerca de um ano do caso.
Dona da grife Matamba, a estilista conta que sempre usou turbante como uma forma de conservar a sua ancestralidade e descreve a atitude do Departamento de Trânsito (Detran), o órgão na capital fluminense que procurou para tirar a segunda via da identidade após ser assaltada, como uma maneira de tirar a sua individualidade. “Eu uso turbante 24 horas por dia porque faz parte da minha identidade, faz parte de mim”.
Foi questionada se era candomblecista ou se tinha câncer, pois só assim poderia usar o turbante. A estilista se negou a responder aos funcionários do Detran por considerar a pergunta uma afronta à sua intimidade. Os funcionários, muito intransigentes com a situação, prontificaram-se a responder que era para ela ir ao banheiro “dar um jeito no cabelo” ou voltar outro dia. A designer de moda, que precisava do protocolo para tirar a nova identidade, aceitou a represália: “Eu respirei fundo, fui ao banheiro, tirei meu turbante, molhei meu cabelo e tirei a foto”, diz ela.
Após o ocorrido, Rogéria foi à delegacia da Central do Brasil e lá disseram que não poderiam fazer nada por não terem “provas suficientes”. Procurou o Fórum e constatou que não conseguiria ajuda também. Conversando com um amigo, teve a indicação de um advogado do Núcleo de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, por intermédio desse núcleo, Rogéria chegou à Defensoria, que moveu ação contra o Estado. Um ano depois do caso, a Defensoria obteve ganho de causa, garantindo o direito de que as pessoas exibam, em seus documentos de identidade, foto usando turbantes, chapéus, véus ou qualquer outra cobertura de cabeça, feita por motivo religioso, desde que não esconda o rosto.
Racismo no Brasil é algo estrutural
A estilista acredita que o racismo no País seja algo estrutural: “Eu sinto que as pessoas não admitem que o preto faça alguma coisa, como se não admitissem que o preto brilhe, destaque-se. Eu percebo que o preto é proibido de saber de alguma coisa, proibido de aprender, proibido de ser patrão, eu falo isso também por ser afroempreendedora”
Como dona da marca Matamba, ela lida com diversos tipos de personalidade que, muitas vezes, apesar de gostarem dos seus produtos, não acreditam que foi ela que confeccionou: “As pessoas quando vêem minhas coisas acham maravilhosas, mas elas não admitem que seja uma preta que fez. No fundo, elas não acreditam que eu sou capaz de ter feito aquilo. Então você percebe que todo indivíduo carrega um certo nível de preconceito”.
Mudança para o Rio de Janeiro
Rogéria mudou-se para o Rio aos 18 anos para fazer faculdade de Ciências Sociais. Porém teve de abandonar os estudos após a situação financeira apertar. A estilista é mineira de Pirapitinga e até hoje se assusta com a hostilidade e o racismo das ruas da cidade grande.
“No Rio se você vê um preto de terno e gravata, você já ouve o burburinho de que a pessoa só pode ser motorista. No metrô, outro dia, aconteceu uma situação semelhante a essa que descrevi: tinha um homem com terno e gravata e começaram duas mulheres argumentarem que ele só poderia ser motorista de alguma ‘madame’ com aquele traje. No mesmo momento eu levantei e questionei as senhoras se ele não poderia ser um executivo de uma grande empresa ou ter qualquer outra profissão que não fosse a de um motorista”.
A estilista diz que em Pirapitinga era possível enxergar mais empatia, realidade que não consegue observar em uma cidade com a dimensão geográfica do Rio de Janeiro.
Sobre vender seu trabalho para varias etnias
Dona da grife Matamba há aproximadamente um ano, Rogéria vende seu trabalho para todas as etnias. “Eu vendo para caucasiano. Por exemplo, o turbante, turbante não tem uma pessoa que não acha o turbante bonito, o turbante é uma coroa, não tem como alguém não achar isso lindo. A diferença de uma mulher preta e uma mulher branca usar o turbante é o resgate da nossa ancestralidade”.
Por: Marina Saran
Fonte: carosamigos.com.br
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