Atletiba enfrenta Globo, mas não tem jogo

O assunto da semana no futebol brasileiro foi a decisão de Atlético-PR e Coritiba de transmitirem o clássico do Campeonato Paranaense por seus canais de Youtube e páginas do Facebook. Ambos resolveram não assinar com a RPC TV, afiliada da Rede Globo no estado. O resultado do enfrentamento foi a não realização da partida, apesar de todos os envolvidos estarem nela, incluindo milhares de torcedores.
O fosso das cotas de direitos de transmissão de futebol no Brasil vem sendo muito comentado devido ao crescente distanciamento do Corinthians e Flamengo no que recebem no Campeonato Brasileiro. Neste início do ano, a diferença dos valores repassados pelas afiliadas da Rede Globo reapareceu com maior força. Começando pela Primeira Liga, torneio que se propunha a superar os Estaduais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mas que manteve a distância no valor pago ao Flamengo em relação aos outros clubes após a assinatura do contrato com os canais SporTV (Grupo Globo). Atlético-PR e Coritiba abandonaram a liga e o torneio por serem contrários a isso.
Algo parecido ocorreu na renovação do contrato para a transmissão do Campeonato Paranaense para o trinêio 2017-2019. Enquanto estaduais de visibilidade nacional semelhante, casos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, teriam recebido aumento no valor das cotas, a RPC TV teria oferecido um valor menor que no triênio anterior (R$ 1 milhão). Para se ter uma ideia, retirando Grêmio, Internacional, Brasil e Juventude, os demais clubes do Gauchão recebem R$ 1,1 milhão por temporada da RBS, também afiliada da Globo.
No caso do Furacão, bater de frente com os meios de comunicação não é novidade, especialmente durante o Paranaense. Na gestão Mario César Petraglia (2012-2014), o time jogou o torneio com o time sub-23. O motivo era que ganhava muito pouco o jogando, além de diminuir a pré-temporada do elenco principal. De saldo, testava e expunha ao mercado jovens jogadores, que viriam a subir ao time principal sem maior pressão de um torneio mais competitivo. Por outro lado, Petraglia chegou a proibir seus jogadores a darem entrevista a quem não pagava pelos direitos de transmissão, incluindo aí as rádios – meio que não tem modelo no Brasil de venda deste produto.
Modelo de negócio
Transmitir na internet não é inédito no Brasil. Algumas TVs e federações estaduais reproduzem os jogos não exibidos na TV aberta dos estaduais nestes canais, casos da Federação Alagoana de Futebol, desde o ano passado, e da Federação Paulista de Futebol, na Copinha deste ano. Além de ocorrerem transmissões de partidas de base e de jogos-treino nos canais de Youtube de clubes como Palmeiras, desde o ano passado, e São Paulo. Nestes casos, trata-se de mais um elemento de divulgação, para além de placas publicitárias e camisas (incluindo a da arbitragem para os Estaduais), para se arranjar patrocinadores ao torneio.
Atlético-PR e Coritiba exibiriam o clássico cada qual em seu canal, apostando inicialmente na atração do torcedor para a partida para poder barganhar com argumentos pela venda de seus direitos – chegou-se a mais de 80 mil pessoas assistindo a espera do jogo, por volta das 18h.
Porém, é preciso lembrar que vender jogos de futebol pela internet já existe. Casos que podemos citar de outros países do mundo são a Copa do Rei (Espanha) e a Copa América de 2015, que o Youtube exibia desde que se comprasse os jogos e/ou torneios completos para se ver por streaming – no caso da segunda, a opção era bloqueada para o Brasil, dado que o Grupo Globo compra o pacote todo de direitos, incluindo a internet. Vale lembrar ainda que o modelo de transmissão no Facebook, primeira transmissão de futebol nesta mídia no mundo, foi um dos pilares de base para o Esporte Interativo criar seu serviço de streaming (EI Plus).
Por que o jogo não ocorreu?
O que não se entende disso tudo é que a partida não tenha podido ocorrer. O entendimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão dedicado a tratar de casos que possam infringir a livre concorrência, a partir de processo aberto em 1997 e arquivado após assinatura de Termo de Cessação de Conduta em 2010 no que tange ao Brasileiro, é que os clubes têm autonomia de vender seus direitos de imagem de forma isolada e não em associação/federação, se assim o quiserem, desde que os contratos sejam separados por meio de comunicação. Se Atlético e Coritiba não quiseram transmitir e entraram num acordo para que seus próprios canais de informação transmitissem o jogo, não haveria o que se contrariar. Lembrando ainda que a própria Globo se beneficiou disso no contrato pelos Brasileiros a partir de 2012, que simplesmente implodiram o Clube dos 13.
A justificativa oficial da Federação Paranaense de Futebol para a não realização da partida é que os jornalistas dos canais dos clubes não estavam credenciados para o jogo, assim o trio de arbitragem só o iniciaria com a saída dos repórteres do campo. Porém, sob esse argumento, isso não impediria que houvesse transmissão por câmeras situadas nas arquibancadas – como algumas pessoas fazem sem autorização em alguns torneios, ainda que aqui fosse algo oficial, pois este espaço é de quem organiza o jogo. Exibiria, mas sem reportagem e câmeras de campo.
Não houve acordo e o clássico não ocorreu, com muitos xingamentos à Globo por suposta pressão à FPF. Entretanto, ainda que os torcedores tenham comprado o ingresso para uma partida oficial, ela poderia ter havido em caráter amistoso sem qualquer problema, o que talvez aumentasse a pressão por real independência dos clubes em relação às federações (incluindo aqui a CBF) e ao principal grupo de comunicação do País. Outra alternativa, que deveria ser anterior, era ter oferecido a partida para um rival da Globo no mercado, como o SBT chegou a fazer no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, caso da guerra judicial pelo Paulista de 2003.
É importante frisar que além de ser uma política coerente com o que vêm fazendo este ano na TV – ambos assinaram para o Brasileiro a partir de 2019 na TV fechada com o Esporte Interativo/Turner –, trata-se de procurar o agente que mais valorize o seu produto, num sentido bem mercadológico disso. Se o Grupo Globo oferecesse o valor pretendido só aos dois times – e não ao Paraná, que vem ganhando com isso, por ter mais jogos transmitidos –, não haveria qualquer preocupação em enfrentá-lo; ainda que o produto seja o campeonato como um todo, quanto mais e melhor receberem todos os clubes, melhor a competitividade nas partidas e mais emoção a ser “vendida” ao torcedor.
De toda forma, são os direitos de transmissão de eventos esportivos que vêm propiciando ampla discussão sobre a estrutura do mercado comunicacional brasileiro, especialmente nos últimos 10 anos. Cada caso que aparece expõe para um público ainda maior as deficiências de devida regulação neste setor econômico e o quanto isto pode prejudicar um conjunto maior de pessoas, incluindo aí a própria expansão da mercantilização sobre o futebol.
Por: Anderson David Gomes dos Santos - professor da Universidade Federal de Alagoas, jornalista e mestre em Ciências da Comunicação e  Irlan Simões -  jornalista e pesquisador do futebol
Fonte: carosamigos.com.br

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